17. Olho-gordo
— Que cachorro lindo, Ju!
— É, né Pa?
— Muito. Só que...
— O quê?
— Nada.
— Fala!
— Bobagem.
— Ó, preciso ir. Se cuida.
— Tchau...
À tarde, Ju foi atropelada. Amigos e parentes comovidos: Pa adotou o cão.
18. Má sorte
— Joguei no bicho: galo na cabeça. Gato preto cruzou meu caminho. Chutei. Dono do gato me acertou uma paulada. Deu galo.
— Na cabeça?
— É. Na minha.
19. Assédio
Olhei. Ele não viu. Mexi o cabelo. Nem notou. Sorri, tossi, deixei cair o celular. Nada. “Oi!” Será que é surdo? Chamei um brigadiano. “Foi esse aí!”. Levaram. Voltei para casa realizada.
20. Desejo
— Príncipe Xin, qual é o seu desejo?
— Desejo ser o Imperador.
— Não será possível antes de sua maioridade, Alteza.
— Então, me traz um sorvete de abacaxi.
21. Dívidas
Terêncio estava endividado e sem trabalho. Sacou a última parcela do seguro-desemprego, rasgou as faturas atrasadas e comprou um revólver. A mulher teve que vender a arma para pagar a fiança.
22. Demorou
— Amor...
— Quê?
— Broxei.
— Qual é a novidade? Tu é broxa!
— É, mas ele tava duro agorinha.
— E por que tu não me chamou?
— Eu chamei. Não viu quando eu disse: “Amor...”?
23. ...para entrar para a História.
Seu Nestor, oitenta e um anos, implicou com o busto do Getúlio na praça: achou que o nariz estava torto. No meio da madrugada, com um torquês, tentou endireitar a escultura. Acabou deixando o Getúlio sem nariz.
De manhã, a manchete do jornal dizia: “Octogenário é encontrado morto com um alicate na mão direita e um nariz de bronze na esquerda”. E, no final da matéria: “Vandalismo não tem idade”.
24. Tiroteio
— Ouvi dizer é aqui que estão os valentes da cidade.
— Pois ouviu certo. Veio conferir?
— Não... é que eu não tinha mais onde me esconder do tiroteio.
25. Ponto de vista
Sabe, a praça fica bonita à noite. Quer dizer, quando não chove. E quando não tem nevoeiro. Ah, e quando não está tomada pelos cachorros de rua. E também, quando não tem feira de dia. Na verdade, era mais bonita quando não tinha esse bando de camelô. Também era melhor quando não tinha essas piranhas. E o chafariz também já teve os seus dias. E sem as pichações também não era nada mal. É... a praça tá feia!
26. Um belo dia...
... começou a chover. Acabou-se o belo dia.
27. SAC
— Alô, é do SAC?
— Sim, senhora. Em que posso ajudar?
— Vocês estudam pra trabalhar aí?
— S-sim, senhora.
— Então me diz uma coisa: o que é “odorífero”?
— Como?
— “Odorífero”, com nove letras e termina com “NTE”. Só falta essa pra terminar, e eu não queria olhar nas respostas.
28. Autoridade
O pedinte encontrou uma nota de cinqüenta. O polícia viu-o enfiando a nota no bolso.
— Passa pra cá!
— Não mesmo! Eu achei, é minha.
— É, mas quem tem o cassetete sou eu.
29. A última do Juca
— Ouvi dizer que o Juca foi abduzido.
— É mesmo? E quem contou?
— Aquela vizinha nova, que veio de Júpiter.
30. Mãe da noiva
Costurou um vestido de noiva para a filha que não teve. Foi internada e passa bem.
31. Estricnina
Era um problema na vizinhança. Cão ou gato que entrasse em seu quintal não voltava. Na primeira sexta-feira depois do Natal, encontraram-no morto dentro de casa. Havia indícios de veneno até no suor de suas axilas.
32. Dez segundos
Mariana volta da festa. Em dez segundos vai estar morta. O pai está dormindo com a tv ligada e não ouve o celular. A mãe está no quarto com o namorado e não ouve o celular. O motorista do ônibus solta a fumaça do cigarro pela janela e só freou quando sentiu o solavanco. Mariana já está morta.
33. Reencarnação
— E então, Sr. Faisão? Como foi a experiência?
— Um horror! Vou pedir para voltar como pato, ou até como lagosta.
— Ué? Não gostou de ser uma carne nobre?
— Não é de todo mau. O difícil é competir com falsidade ideológica.
— Como é?
— Sim! Os frangos estão ficando cada vez mais atrevidos...
34. Submissão
— Depois de ti, quero tua mulher e tuas filhas. – disse, ofegante.
35. Há vagas
Leu nos classificados “Precisa-se de homem disposto a matar um desafeto. Paga-se bem. Ligar para.......”
— Agência de empregos, bom dia.
— Estou ligando pela vaga.
— Certo, senhor. Qual é o seu nome?
— Fulano da Silva.
— Temos um problema, senhor.
— Qual?
— A vaga é para matar o senhor.
36. Cenário
— Essas casas, essas lojas, esses restaurantes... É tudo tão bonito! Parece cinema!
— Senhora...
— Sim?
— Posso parar de fingir que sou seu marido agora?
segunda-feira, 4 de agosto de 2008
Microcontos - Henry (2)
11. A passageira alegre
Tinha orgasmo duas vezes ao dia. Tremelique do ônibus indo e voltando do trabalho.
***
12. Evangelizando
O crente, Bíblia no sovaco:
- Você conhece Jesus, irmão?
- Claro que sim! Meu vizinho. Pedreiro, ajudou na construção do puxadinho lá de casa.
- Não, não estou falando deste Jesus. Estou falando do filho do carpinteiro.
- Que ótimo! Me passe o telefone dele; estou querendo colocar um armário no banheiro.
13. Paranóico
Preocupava-se com perigos imaginários o seguindo, acabou quebrando a cabeça num poste.
14. Precavida
Sentia-se mulher uma vez por ano, quando ia ao ginecologista.
***
15. Diálogo sobre piranhas
Duas amigas:
- Você está vendo aquelazinha ali? É uma piranha!
- Ah é?
- Dá pra todo mundo, e cobra depois.
- Dor-de-cotovelo isto! Se você cobrasse, já estava milionária.
16. Impasse Poético
Diante de si, poemas medíocres e uma vida fracassada.
Os poemas tinham conserto; a vida, não.
Tinha orgasmo duas vezes ao dia. Tremelique do ônibus indo e voltando do trabalho.
***
12. Evangelizando
O crente, Bíblia no sovaco:
- Você conhece Jesus, irmão?
- Claro que sim! Meu vizinho. Pedreiro, ajudou na construção do puxadinho lá de casa.
- Não, não estou falando deste Jesus. Estou falando do filho do carpinteiro.
- Que ótimo! Me passe o telefone dele; estou querendo colocar um armário no banheiro.
13. Paranóico
Preocupava-se com perigos imaginários o seguindo, acabou quebrando a cabeça num poste.
14. Precavida
Sentia-se mulher uma vez por ano, quando ia ao ginecologista.
***
15. Diálogo sobre piranhas
Duas amigas:
- Você está vendo aquelazinha ali? É uma piranha!
- Ah é?
- Dá pra todo mundo, e cobra depois.
- Dor-de-cotovelo isto! Se você cobrasse, já estava milionária.
16. Impasse Poético
Diante de si, poemas medíocres e uma vida fracassada.
Os poemas tinham conserto; a vida, não.
Microcontos - Henry (1)
1. Engano
Os bandidos ligavam desde o presídio.
- Estamos com sua mãe!
- Meus Deus! Vocês profanaram o túmulo dela?
2. Vigília
40 graus lá fora. Para esperar parentes distantes, prolongaram a vigília; o odor deletério empesta a casa funerária.
A sogra cochicha no ouvido da viúva:
- Nem mesmo morto ele deixa de ser porco...
3. A beca do morto
- Ele era um anjo!
- Era um amor de criatura!
- Um santo... nunca fez mal a viv'alma.
- Ele era um desgraçado filho duma puta, isso sim! Em vida, ele emprestava minhas coisas e nunca devolvia. Inclusive, aquele terno que ele está usando é meu!
4. A Herdade
Morreu, deixou um relógio estilo Luís XVI para a mulher e filhos, e dois milhões de reais para Fifi, a poodle.
5. Mirabolância
Otávio estava falido.
Num gesto de desespero, tomou a decisão: se mataria, para que sua filha pudesse receber seu seguro de vida.
Bagunçou a casa, escondeu jóias, quebrou móveis, tudo para simular um latrocínio. Depois, se jogou pela janela.
Caiu sobre a filha, que entrava no prédio.
Ela morreu; ele não.
6. A Visita
- Deixa eu abrir tua blusa.
- ...
- Que peitinhos bonitinhos.
- ...
- Que pele macia.
- Tio, a mãe 'tá vindo!
Eles se aprumam.
- E aí, o que vocês estão conversando?
- A Lili estava me contando sobre a escola. Pelo que posso ver, essa minha sobrinha é ótima... aluna.
7. Eternidade
O vampiro viveu para todo o sempre.
Que tédio!
8. Vide Bula
Esqueceu-se de ler a contra-indicação do Viagra® para pessoas com problemas cardíacos.
Foi encontrado com pau e sorriso duros.
9. Não confie em tudo que lê
O projétil atravessa a janela e atinge João na testa. No jornal que lia, a manchete:
"Diminuem os casos de balas-perdidas na cidade".
10. Espiando
Era um voyeur.
Brincava sozinho, vendo a vizinha trocar de roupa.
Numa noite, ela abriu toda a cortina, acenou para ele e se despiu.
Brochou.
Os bandidos ligavam desde o presídio.
- Estamos com sua mãe!
- Meus Deus! Vocês profanaram o túmulo dela?
2. Vigília
40 graus lá fora. Para esperar parentes distantes, prolongaram a vigília; o odor deletério empesta a casa funerária.
A sogra cochicha no ouvido da viúva:
- Nem mesmo morto ele deixa de ser porco...
3. A beca do morto
- Ele era um anjo!
- Era um amor de criatura!
- Um santo... nunca fez mal a viv'alma.
- Ele era um desgraçado filho duma puta, isso sim! Em vida, ele emprestava minhas coisas e nunca devolvia. Inclusive, aquele terno que ele está usando é meu!
4. A Herdade
Morreu, deixou um relógio estilo Luís XVI para a mulher e filhos, e dois milhões de reais para Fifi, a poodle.
5. Mirabolância
Otávio estava falido.
Num gesto de desespero, tomou a decisão: se mataria, para que sua filha pudesse receber seu seguro de vida.
Bagunçou a casa, escondeu jóias, quebrou móveis, tudo para simular um latrocínio. Depois, se jogou pela janela.
Caiu sobre a filha, que entrava no prédio.
Ela morreu; ele não.
6. A Visita
- Deixa eu abrir tua blusa.
- ...
- Que peitinhos bonitinhos.
- ...
- Que pele macia.
- Tio, a mãe 'tá vindo!
Eles se aprumam.
- E aí, o que vocês estão conversando?
- A Lili estava me contando sobre a escola. Pelo que posso ver, essa minha sobrinha é ótima... aluna.
7. Eternidade
O vampiro viveu para todo o sempre.
Que tédio!
8. Vide Bula
Esqueceu-se de ler a contra-indicação do Viagra® para pessoas com problemas cardíacos.
Foi encontrado com pau e sorriso duros.
9. Não confie em tudo que lê
O projétil atravessa a janela e atinge João na testa. No jornal que lia, a manchete:
"Diminuem os casos de balas-perdidas na cidade".
10. Espiando
Era um voyeur.
Brincava sozinho, vendo a vizinha trocar de roupa.
Numa noite, ela abriu toda a cortina, acenou para ele e se despiu.
Brochou.
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