segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Microcontos - Volmar (1)

17. Olho-gordo

— Que cachorro lindo, Ju!
— É, né Pa?
— Muito. Só que...
— O quê?
— Nada.
— Fala!
— Bobagem.
— Ó, preciso ir. Se cuida.
— Tchau...
À tarde, Ju foi atropelada. Amigos e parentes comovidos: Pa adotou o cão.


18. Má sorte

— Joguei no bicho: galo na cabeça. Gato preto cruzou meu caminho. Chutei. Dono do gato me acertou uma paulada. Deu galo.
— Na cabeça?
— É. Na minha.


19. Assédio

Olhei. Ele não viu. Mexi o cabelo. Nem notou. Sorri, tossi, deixei cair o celular. Nada. “Oi!” Será que é surdo? Chamei um brigadiano. “Foi esse aí!”. Levaram. Voltei para casa realizada.


20. Desejo

— Príncipe Xin, qual é o seu desejo?
— Desejo ser o Imperador.
— Não será possível antes de sua maioridade, Alteza.
— Então, me traz um sorvete de abacaxi.


21. Dívidas

Terêncio estava endividado e sem trabalho. Sacou a última parcela do seguro-desemprego, rasgou as faturas atrasadas e comprou um revólver. A mulher teve que vender a arma para pagar a fiança.


22. Demorou

— Amor...
— Quê?
— Broxei.
— Qual é a novidade? Tu é broxa!
— É, mas ele tava duro agorinha.
— E por que tu não me chamou?
— Eu chamei. Não viu quando eu disse: “Amor...”?


23. ...para entrar para a História.

Seu Nestor, oitenta e um anos, implicou com o busto do Getúlio na praça: achou que o nariz estava torto. No meio da madrugada, com um torquês, tentou endireitar a escultura. Acabou deixando o Getúlio sem nariz.
De manhã, a manchete do jornal dizia: “Octogenário é encontrado morto com um alicate na mão direita e um nariz de bronze na esquerda”. E, no final da matéria: “Vandalismo não tem idade”.


24. Tiroteio

— Ouvi dizer é aqui que estão os valentes da cidade.
— Pois ouviu certo. Veio conferir?
— Não... é que eu não tinha mais onde me esconder do tiroteio.


25. Ponto de vista

Sabe, a praça fica bonita à noite. Quer dizer, quando não chove. E quando não tem nevoeiro. Ah, e quando não está tomada pelos cachorros de rua. E também, quando não tem feira de dia. Na verdade, era mais bonita quando não tinha esse bando de camelô. Também era melhor quando não tinha essas piranhas. E o chafariz também já teve os seus dias. E sem as pichações também não era nada mal. É... a praça tá feia!



26. Um belo dia...

... começou a chover. Acabou-se o belo dia.


27. SAC

— Alô, é do SAC?
— Sim, senhora. Em que posso ajudar?
— Vocês estudam pra trabalhar aí?
— S-sim, senhora.
— Então me diz uma coisa: o que é “odorífero”?
— Como?
— “Odorífero”, com nove letras e termina com “NTE”. Só falta essa pra terminar, e eu não queria olhar nas respostas.


28. Autoridade

O pedinte encontrou uma nota de cinqüenta. O polícia viu-o enfiando a nota no bolso.
— Passa pra cá!
— Não mesmo! Eu achei, é minha.
— É, mas quem tem o cassetete sou eu.


29. A última do Juca

— Ouvi dizer que o Juca foi abduzido.
— É mesmo? E quem contou?
— Aquela vizinha nova, que veio de Júpiter.


30. Mãe da noiva

Costurou um vestido de noiva para a filha que não teve. Foi internada e passa bem.


31. Estricnina

Era um problema na vizinhança. Cão ou gato que entrasse em seu quintal não voltava. Na primeira sexta-feira depois do Natal, encontraram-no morto dentro de casa. Havia indícios de veneno até no suor de suas axilas.


32. Dez segundos

Mariana volta da festa. Em dez segundos vai estar morta. O pai está dormindo com a tv ligada e não ouve o celular. A mãe está no quarto com o namorado e não ouve o celular. O motorista do ônibus solta a fumaça do cigarro pela janela e só freou quando sentiu o solavanco. Mariana já está morta.


33. Reencarnação

— E então, Sr. Faisão? Como foi a experiência?
— Um horror! Vou pedir para voltar como pato, ou até como lagosta.
— Ué? Não gostou de ser uma carne nobre?
— Não é de todo mau. O difícil é competir com falsidade ideológica.
— Como é?
— Sim! Os frangos estão ficando cada vez mais atrevidos...


34. Submissão

— Depois de ti, quero tua mulher e tuas filhas. – disse, ofegante.


35. Há vagas

Leu nos classificados “Precisa-se de homem disposto a matar um desafeto. Paga-se bem. Ligar para.......”
— Agência de empregos, bom dia.
— Estou ligando pela vaga.
— Certo, senhor. Qual é o seu nome?
— Fulano da Silva.
— Temos um problema, senhor.
— Qual?
— A vaga é para matar o senhor.


36. Cenário

— Essas casas, essas lojas, esses restaurantes... É tudo tão bonito! Parece cinema!
— Senhora...
— Sim?
— Posso parar de fingir que sou seu marido agora?

Microcontos - Henry (2)

11. A passageira alegre

Tinha orgasmo duas vezes ao dia. Tremelique do ônibus indo e voltando do trabalho.

***

12. Evangelizando

O crente, Bíblia no sovaco:
- Você conhece Jesus, irmão?
- Claro que sim! Meu vizinho. Pedreiro, ajudou na construção do puxadinho lá de casa.
- Não, não estou falando deste Jesus. Estou falando do filho do carpinteiro.
- Que ótimo! Me passe o telefone dele; estou querendo colocar um armário no banheiro.


13. Paranóico


Preocupava-se com perigos imaginários o seguindo, acabou quebrando a cabeça num poste.

14. Precavida

Sentia-se mulher uma vez por ano, quando ia ao ginecologista.

***

15. Diálogo sobre piranhas

Duas amigas:

- Você está vendo aquelazinha ali? É uma piranha!
- Ah é?
- Dá pra todo mundo, e cobra depois.
- Dor-de-cotovelo isto! Se você cobrasse, já estava milionária.


16. Impasse Poético


Diante de si, poemas medíocres e uma vida fracassada.
Os poemas tinham conserto; a vida, não.

Microcontos - Henry (1)

1. Engano

Os bandidos ligavam desde o presídio.
- Estamos com sua mãe!
- Meus Deus! Vocês profanaram o túmulo dela?

2. Vigília

40 graus lá fora. Para esperar parentes distantes, prolongaram a vigília; o odor deletério empesta a casa funerária.
A sogra cochicha no ouvido da viúva:
- Nem mesmo morto ele deixa de ser porco...

3. A beca do morto

- Ele era um anjo!
- Era um amor de criatura!
- Um santo... nunca fez mal a viv'alma.
- Ele era um desgraçado filho duma puta, isso sim! Em vida, ele emprestava minhas coisas e nunca devolvia. Inclusive, aquele terno que ele está usando é meu!

4. A Herdade

Morreu, deixou um relógio estilo Luís XVI para a mulher e filhos, e dois milhões de reais para Fifi, a poodle.

5. Mirabolância

Otávio estava falido.
Num gesto de desespero, tomou a decisão: se mataria, para que sua filha pudesse receber seu seguro de vida.
Bagunçou a casa, escondeu jóias, quebrou móveis, tudo para simular um latrocínio. Depois, se jogou pela janela.
Caiu sobre a filha, que entrava no prédio.
Ela morreu; ele não.

6. A Visita

- Deixa eu abrir tua blusa.
- ...
- Que peitinhos bonitinhos.
- ...
- Que pele macia.
- Tio, a mãe 'tá vindo!
Eles se aprumam.
- E aí, o que vocês estão conversando?
- A Lili estava me contando sobre a escola. Pelo que posso ver, essa minha sobrinha é ótima... aluna.

7. Eternidade

O vampiro viveu para todo o sempre.
Que tédio!

8. Vide Bula

Esqueceu-se de ler a contra-indicação do Viagra® para pessoas com problemas cardíacos.
Foi encontrado com pau e sorriso duros.

9. Não confie em tudo que lê

O projétil atravessa a janela e atinge João na testa. No jornal que lia, a manchete:
"Diminuem os casos de balas-perdidas na cidade".

10. Espiando

Era um voyeur.
Brincava sozinho, vendo a vizinha trocar de roupa.
Numa noite, ela abriu toda a cortina, acenou para ele e se despiu.
Brochou.